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tudodenovomesmo
Tuesday, October 26, 2004
 
Retorno, Outubro


Volto, partindo de qualquer esboço. Fiscalizando os movimentos de voz das palavras, orientando minha solidão para além das janelas. Deixo as cortinas envelhecerem.

Meus papéis me dão orgulho. Aqui tudo foi feito com urgência. Começar a soltar os meus pedidos pela praia entre meus passos. Começar a beber água do mar. Com cabelo solto. Lavando o cabelo pelada no tanque.


Aqui está ele; o meu pequeno território modificado, o meu trilho sem ângulos retos. O novelo de cor púrpura, nasceu no meio do peito, foi tecido e esticado, estendido até novas cidades, muito quietas, cheias de livros. E num dia, depois de um esforço que eu até posso chamar de meu, acordo com a alegria lenta de quem chegou no país que reuniu os sonhos. Um país familiar.

Meu coração é um novelo desfiado que mudou de cor. Meu coração trouxe os papéis que contaram histórias sobre o meu nome. E as letras cresceram leves, curvam sorrisos pela folha.

Impossível explicar como escrevi nesses meses.
Escrever e deixar cumprir.

Escrevo passeios no ateliê e no cemitério da página branca, da tela branca, da areia branca, da vida entre as nuvens.

Ainda é tempo de me admirar com tudo o que cabe junto das palavras e tudo o que não cabe nunca e precisa de palavras combinadas para aparecer, branco no branco, óbvio natural, próximo como se fosse aquilo que é, sempre foi, alimenta as manhãs de fome saciada.

Além disso, o medo. Meu segundo fio é um monte de chuva escura caindo ali na esquina de um sonho, enquanto não sei qual é o caminho. O que vai acontecer com a minha pele, o meu cabelo, os meus olhos quando eu passar por aquele canto de chuva escura e estreita? Do que ele vai me limpar, o quanto me manchei?

De tudo a que eu me agarro? De tudo o que eu uso para manter os olhos frios longe da terra e do sol e da alegria insuportável e do medo de perder? Tudo saindo líquido de um poço de água densa, de lodo, de crise, procura atrás de procura. Saindo um monte de objetos e bichos vivos e sonhos se formando e balões brancos e meu nome sem roupa levado pelo vento. Agora, desaparecendo daqui e da força terrível de ser eu não sei mais se é mesmo o meu nome ou se estou ao lado do que me formou.

Medo do que é belo e imenso e enorme. Como se estivesse cumprindo, como se enchesse de água a minha casa, como se eu falhasse, ou como, se muito bonito, eu calasse e morresse.

Precisei parar de ver pessoas que tiram meu coração de onde ele gosta de ficar, pessoas que deixam meu coração com pneumonia, de tanto vento escuro de palavras secas e angústias que eu também vesti, certa da beleza que isso cria. Certa da beleza de um passeio à noite, certa da visão de um cabelo fino e imenso, derramando nas costas do vestido cheio de tules. Uma constelação paralisada, uma órbita de museu, explosivos de luz que assustam e apagam seu brilho dentro de um beco.

Precisei conhecer o mundo com quem gosta de mim, mas com quem não oferece tempestade nem dias tontos cheios de noites de choro dentro, repetidos com a vontade de morrer sempre um pouco, como se isso fosse a verdade e a beleza. E quando a vida se abre, simples, sem contorno, dançando sobre os dias suaves, mais choros, mais abraços. O sabor inteiro. Meu novo amor. Ainda estamos juntos. Eu continuo grata e continuo com o mesmo susto no bolso.

Minha vida de sítio. Assim eu começo a desconfiar da vida alegre, muito alegre, cheia de valsa e água doce, gritos de criança e velhos sorridentes. A vida, a vida no interior. Cheia de cores.

Mundo cinzento,

A alegria é o medo de quem sempre tomou chuva.








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